25.3.12

O QUE DIZ O RATO

Tenho um destino. Nasci
para roer o silêncio - e vou roê-lo
metodicamente

até que um dia se invertam os papéis
e seja o silêncio a roer-me a mim.

A. M. Pires Cabral

COBRA-D'ÁGUA, Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 2011

23.3.12

PENHORES

Aros esmaecidos, os anéis repousam
em brilhos desertos. Quantas
histórias banais, com o letreiro de
ouro usado. Nessa dúbia cor, uma
nobre tristeza resgata
os formatos vulgares e desenha
velhas parábolas
de purgatório e redenção.

Inês Lourenço

TEORIA DA IMUNIDADE, Edição Felício & Cabral - Publicações, Lda, Porto, Dezembro de 1966

10.3.12

DANOS COLATERAIS

- A tristeza não tem futuro,
sussurra-me esta sexta de Março.
Eu amaldiçoo as nuvens escuras,
e ela desperta uma torrente de pássaros.

Eu só vejo sangue nas coisas,
ela lava com água as minhas mãos.
O café não me sabe a manhã,
e ela sugere promessas de sábado.

- A esperança é a última a morrer,
repete-me esta sexta de Março.
Os jornais cheiram a morte,
e ela traz-me uma página em branco.

Ángel Mendoza

criatura N.º 6 . Novembro . 2011, Selecção e tradução de Inês Dias, Organizado pelo Núcleo Autónomo Calíope da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa

7.3.12

TERRITÓRIO

Um céu de sombras
vermelho por dentro
clareira solta
sobre o mar
O sonho como um galo branco
iluminando a noite
para que os ossos da névoa
ganhem contornos de pele
Um pássaro vibrando
na solidão de cada ferida
O granítico ódio
destas ruas sem rostos
deste pranto sem corpo
de país castigado

José Manuel de Vasconcelos

A MÃO NA ÁGUA QUE CORRE, Assírio & Alvim, Lisboa, Março 2011

2.3.12

A Terceira Miséria

20.


E veio outra miséria, em interlúdio:
A miséria da interpretação
Que tudo trai. Os textos, os tão belos
Textos do ódio e da melancolia
Carregavam os sacos dos soldados
Como pães doces, abolorecidos,
Alimentavam quem? Persas, de novo.
Persas vindos do Norte, equivocados
Com o som do poema, com a ira
Formosa do poema.

Hélia Correia

A Terceira Miséria, Relógio D'Água Editores, Fevereiro de 2012