10.9.08

CANTO DE SOLIDARIEDADE A ERNESTO CARDENAL, PADRE E POETA DA NICARÁGUA E DO MUNDO

condenaram-te cardenal
foi o poder do dinheiro
tens novamente o madeiro
cujo peso conheces bem
condenaram-te cardenal
por seres o mensageiro
de quem no mundo nada tem


condenaram-te cardenal
ortega era companheiro
lutou pelo mesmo ideal
mas num golpe traiçoeiro
valeu-se da toga do mal
sorriu para o forasteiro
prostituiu-se ao capital


condenaram-te cardenal
com a cruel humilhação
pior que golpe de punhal
pior que as grades da prisão


condenaram-te cardenal
pena que não se repara
joão paulo também o fez
naquele turismo papal
o dedo na tua cara
era o dedo da estupidez
prepotência pontifical
falando em nome do burguês


condenaram-te cardenal
fizeram-te réu outra vez
quem da terra quer ser o sal
recebe em troca insensatez


condenaram-te cardenal
mas não há pena que dobre
o teu canto universal
poeta do cristo pobre
nascido na estrebaria
e não em palácio real
padre irmão da poesia
o manto dela te cobre
não a capa do cardeal


Júlio Saraiva



Poema colhido em http://www.luso-poemas.net/, e aqui publicado com a autorização do autor, jornalista e poeta brasileiro.



9.9.08

Homenagens: PEDRO CASALDÁLIGA, O BISPO VERMELHO E POETA DE ARAGUAIA

«O motorista do ônibus não entendeu o português enrolado do homenzinho magro, calça de brim surrada, camiseta branca, e sandálias de couro. Estacionou o veículo na beira da estrada, para que o homenzinho descesse. E depois partiu. O homenzinho só havia pedido para urinar. O condutor não entendeu e o largou, tarde da noite, na escuridão da estrada. Este foi um episódio ocorrido com Dom Pedro Casaldáliga, missionário clareteano (da Congregação fundada por Santo Antônio Maria Claret), que havia acabado de ser sagrado bispo da miserável região de São Felix do Araguaia, até hoje conturbada por sangrentas lutas pela disputa da terra. Na época, fins da década de 1970, a situação era pior ainda: os órgãos de repressão do governo militar, instalado no Brasil em 1964, descobriram que ali estava sendo articulada a luta armada para pôr fim à ditadura. Naquela noite, Pedro Casaldáliga pediu abrigo na casa de um camponês, que ainda não o conhecia. Ao dizer que era bispo, o camponês, antes de lhe dar pousada, sorriu e disse, vendo-o naqueles trajes: "Se o senhor é bispo, eu sou o papa. Mas pode entrar." Pedro Casaldáliga juntou-se à luta do seu povo simples e massacrado. Escondeu guerrilheiros. Teve sua extradição pedida pelos latifundiários.
Recebeu advertências do Vaticano, que fingiu não entender. Foi jurado de morte diversas vezes. Hoje, aposentado, não retornou a Espanha, preferindo continuar no meio dos índios e posseiros, mesmo contra a vontade dos seus superiores.
O ritual da sua sagração episcopal foi diferente dos demais. Dispensou todas as pompas. Não deitou no tapete vermelho, mas sim numa esteira de vime, às margens do rio Araguaia. Em lugar da mitra, usou um chapéu de palha de pescadores. Em lugar do cajado episcopal, um par de remos. O anel foi enviado à mãe na Espanha e trocado por uma modesta aliança de casca de coco. Palácio? Como palácio, monsenhor optou por uma choupana idêntica a do povo local. Escreveu um diário, vários poemas, e é co-autor do texto da Missa do Vaqueiro, musicada pelo compositor Milton Nascimento. De sua obra de poeta, extraio este texto:


CANÇÃO DA FOICE E DO FEIXE


Com um calo por anel
monsenhor cortava arroz.
Monsenhor "martelo
e foice?"
Me chamarão subversivo.
E lhes direi: eu o sou.
Por meu povo em luta, vivo.
Com meu Povo em marcha vou.
Tenho fé de guerrilheiro
e amor de revolução.
E entre Evangelho e canção
sofro e digo o que quero.
Se escandalizo primeiro,
queimei o próprio coração
ao fogo desta Paixão,
cruz de seu mesmo Madeiro.
Incito à subversão
contra o Poder e o Dinheiro.
Quero subverter a Lei
que perverte ao Povo em grei
e ao Governo em carniceiro.
(Meu Pastor se faz Cordeiro
Servidor se fez meu Rei.)
Creio na Internacional
das frontes alevantadas
da voz de igual para igual
e das mãos enlaçadas...
E chamo a Ordem de mal
e ao Progresso de mentira.
Tenho menos paz que ira.
Tenho mais amor que paz.
...Creio na foice e no feixe
destas espigas caídas:
Creio nesta foice que avança
uma Morte em tantas vidas!
- sob este sol sem disfarce
e na comum esperança -
tão encurvada e tenaz!


Pedro Casaldáliga


Júlio Saraiva»


Texto de Júlio Saraiva e  poema do bispo e poeta Pedro Casaldáliga, publicados, por JS, no blogue: http://www.luso-poemas.net/, e republicados aqui com a sua autorização.